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Órfãos do Conflito na RD do Congo Aprendem Uma Arte Marcial Brasileira Para Superar a Dor

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Por Fabíola Ortiz

GOMA (IDN) – Desde fevereiro neste ano, Melvin*, de 16 anos, vive em um abrigo para ex-soldados infantis nos subúrbios de Goma, a cidade capital da província de Norte Kivu na parte leste da República Democrática do Congo (RDC). Ele pertence a uma pequena comunidade.

Sua história lembra a de muitos meninos congoleses que vivem nas comunidades afastadas no leste da RDC. Ele foi abduzido de sua vila natal para juntar-se forçadamente aos rebeldes de Nyatura – um grupo armado liderado pela comunidade étnica Mayi-Mayi fundado em 2010, principalmente por Hutus congoleses. Entre as violações aos direitos humanos, eles foram acusados de recrutar crianças soldados – um dos crimes mais hediondos que já cometeram.

Há dois anos, o introvertido Melvin, que perdeu o rumo da sua família, não consegue voltar à sua comunidade. Ele provavelmente está entre os milhares de órfãos do conflito.

Entre 2010 e 2013, a ONU documentou pelo menos 4.194 casos de recrutamento infantil, de acordo com o último relatório do país RDC pelo Secretário Geral sobre crianças e conflito armado. Aproximadamente um terço dos casos documentados envolveu crianças de pelo menos 15 anos de idade. 76 por cento aconteceram em Kivu do Norte. Seus testemunhos relatam terem sido usados como combatentes, prostituição, cozinheiros, porteiros, seguranças e escravos sexuais.

Pelo menos 65.000 crianças foram libertadas das forças armadas e grupos armados no mundo todo nos últimos dez anos (2007-2017), disse o Diretor Executivo da UNICEF Anthony Lake em fevereiro de 2017. Mais de 20.000 foram na RDC. Dados exatos sobre o número de crianças usadas e recrutadas em conflitos armados são difíceis de confirmar devido à natureza ilegal do recrutamento infantil. Porém, a UNICEF estima que dezenas de milhares de meninos e meninas com menos de 18 anos de idade são usados em conflitos no mundo todo.

“Os números não verificados pela ONU provavelmente representam uma parte dos problemas por questões de acesso para fins de verificação, incluindo insegurança e combates, problemas de terras e infraestruturas, e restrições governamentais para acesso a grupos armados”, de acordo com a Gerente Sênior do Programa Bonnie Berry da Lista de Observação de Crianças e Conflitos Armados.

O introvertido Melvin agora está sendo cuidado por uma organização local sem fins lucrativos chamada Programme d’Appui à la Lutte contre la Misère (Programa de Apoio à Luta Contra a Pobreza – PAMI), localizado em Goma. Criado em 1997, é um dos parceiros congoleses da UNICEF que trabalham no processo de verificação de crianças que estavam associadas a forças armadas e grupos armados (chamados CAFAG) e para operar um centro de abrigo para crianças desacompanhadas.

Após meses de combate na selva, Melvin decidiu fugir com outros nove meninos. “Havia vários jovens e crianças no grupo. Eu diria que, no total, havia 20.000 rebeldes. Eu fugi carregando uma arma. Seria muito perigoso se eu voltasse à minha vila, eles me matariam,” Melvin disse à IDN.

Agora, ele vive nas instalações do PEMI em Goma. A vida mudou completamente para ele desde a sua chegada no abrigo. “É muito diferente da vida que eu tinha no grupo armado,” disse ele.

O menino recluso e introspectivo agora encontrou um novo significado para a sua vida diária e uma forma de se expressar e readquirir autoestima. Há cinco meses, ele pratica uma arte marcial brasileira com raízes africanas chamada Capoeira.

Esta prática cultural, simultaneamente uma luta e uma dança, promove respeito mútuo e coesão social, e foi inscrita em 2014 como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO.

Na DRC, uma iniciativa da UNICEF chamada “Capoeira pour la Paix” (em francês) – fundada no Canadá, Suécia, AMADE-Mondile, Bélgica e a Embaixada Brasileira em Kinshasa – foi incluída no programa DDR (desarmamento, desmobilização e reintegração) para crianças.

“Sabíamos do fato de que Capoeira estava sendo usada em crianças vulneráveis no Haiti e também no Panamá. Começou como um projeto piloto para vermos como poderíamos integrar ‘Capoeira para a Paz’ nas crianças do programa DDR para promover a reabilitação de crianças libertadas de grupos armados e forças armadas,” explicou Marie Diop, uma especialista em proteção infantil da UNICEF no comitê do leste da RDC.

Neste último verão, a iniciativa comemorou três anos e agora está totalmente integrada nas atividades de suporte psicossocial nos centros de cuidados de trânsito em Goma. “É pela Capoeira que as crianças agora podem coabitar de maneira muito pacífica com outras crianças e adultos. A Capoeira ajudou muito a desestigmatizar as crianças,” disse Diop.

Alex Karibu, de 29 anos, nascido em Kinshasa, tornou-se um dos professores de Capoeira da iniciativa. Como voluntário da ONU, ele desenvolveu aulas de Capoeira para crianças que foram deslocadas dos rebeldes no leste da RDC.

“Eu pratico há doze anos, e a Capoeira chegou à minha vida como uma mudança positiva e me inspirou a recuperar minha autoconfiança. Eu pensei desde o primeiro momento que queria ser um embaixador da Capoeira no meu país,” disse Karibu.

Para ele, esta arte marcial permite unir as pessoas, superar diferenças sociais e juntar os participantes como uma reunião de família. “Ela nos faz nos tornarmos irmãos e irmãs, não induz à agressividade e ajuda a promover harmonia, paz, amor e respeito mútuo,” sugeriu.

Desde que chegou em Kivu do Norte, no início de 2016, ele notou uma mudança progressiva nas crianças. “Não é fácil para meninos que estiveram em grupos armados, a maioria deles precisou deixar suas famílias para trás. Eu digo a eles que estou aqui para ajudá-los, e que podem confiar em mim. Muitos deles foram abusados e maltratados.”

Como consequência de traumas, as crianças se fecham naturalmente como uma ‘pedra’, mas pouco a pouco aprendem a reobter confiança. “Fazemos como uma flor, irrigamos com gotas de amor e respeito para ajudá-los em seu processo de transformação. Estamos plantando uma semente para estas crianças florescerem.”

Para Joachim Fikiri, que coordena o PAMI, a primeira etapa seria quebrar o ciclo de violência dentro das comunidades. O uso da Capoeira, disse ele, está ajudando a integrar e espalhar paz quando as crianças voltam às suas famílias.

“As necessidades das crianças são enormes devido ao conflito. Junto com as missões de paz da UNICEF e ONU (MONUSCO), trabalhamos em todas as etapas do DDR para crianças, verificando suas situações e defendendo seus direitos. Eu queria que a Capoeira fosse ensinada e praticada em todas as comunidades para juntar etnias diferentes,” sugeriu ele.

Algumas crianças desacompanhadas sob os cuidados da PAMI vivem com famílias hospedeiras, familles d’accueil (em francês), como um estágio de introduzi-las à vida civil e familiar novamente.

Há cinco anos, Françoise Furaha, 38 anos, tornou-se família hospedeira para receber crianças vulneráveis desacompanhadas. Sua pequena casa de dois quartos localizada em Quartier Keshero, nos arredores de Goma, recebeu no passar dos anos 28 meninas e 16 meninos. Hoje em dia, ela hospeda um menino de Ruanda que atende frequentemente as aulas de Capoeira no PAMI.

“Foi meu instinto interior que me fez escolher me tornar uma família hospedeira. Todos nós aprendemos com ele e sua história de vida. Pela manhã nós rezamos, fazemos as refeições juntos, e quando ele volta do centro PAMI, sempre está mais alegre. Normalmente, ele diz: ‘deixe-me ensinar Capoeira a você, deixe-me ensinar a fazer a ginga [balanço básico da arte marcial]’. É uma coisa boa para todos nós,” disse Furaha.

*O nome foi modificado para proteger a identidade pessoal do menino. [IDN-InDepthNews – 5 de outubro de 2017]

A viagem dos repórteres à RDC foi patrocinada pelo Erasmus Mundus Journalism Consortium e o programa de jornalismo Reporting Right Livelihood 2017

Foto: Aulas de Capoeira com meninos previamente associados a grupos armados em Kivu do Norte. Crédito: Flavio Forner | IDN-INPS

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